Empresário bolsonarista perde ação da ‘carapuça’ contra Felipe Moura Brasil

O empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, que já havia perdido processos contra Felipe Moura Brasil em razão da reportagem “Os blogueiros de crachá”, perdeu mais uma ação judicial e terá de pagar, além das custas processuais ao Estado, honorários advocatícios ao escritório Fidalgo Advogados, responsável pela defesa do jornalista.

O valor é de 15% dos R$ 40 mil que Fakhoury pediu de indenização por danos morais, dessa vez em razão de postagem no Twitter que criticava uma conduta empresarial genérica, sem nem sequer mencionar seu nome.

Embora bolsonaristas em geral posem de defensores da liberdade de expressão e de crítica, Fakhoury também pediu a exclusão do tuíte, bem como a publicação de eventual decisão favorável a ele no perfil de Moura Brasil na mesma rede social.

A juíza Luciana Biagio Laquimia, da 17ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, julgou improcedente a ação, negando os três pedidos.

Leia abaixo a postagem original, trechos da decisão e a nota do jornalista a respeito.

1) O tuíte

“Empresário que recusa vacina, financia canais antivacina, diz que máscara não funciona e faz postagens homofóbicas é gente de nível intelectual e moral muito baixo, que posa de ‘conservador cristão’ para tentar enobrecer sua estupidez, oposta ao cristianismo e ao conservadorismo.”

2) Trechos da decisão

A juíza elencou uma série de postagens e declarações de Fakhoury, inclusive uma que “denota certo deboche a respeito das medidas de cuidado de contágio de Covid, tais como uso de máscaras, vacinação e distanciamento social”.

Otávio Fakhoury na CPI da Pandemia

“Todavia, o mundo civilizado, pautado pelo estado da arte da ciência, é consenso no sentido de que as aludidas medidas auxiliam na prevenção do contágio de Covid.”

É “evidente”, conclui Biagio, “que o autor tem uma postura pública e notória antivacina da Covid e negacionista da ciência vigente. Não se trata de juízo de valor, mas de um modo de ser confesso que emana do autor, seus posts, depoimentos etc.”

Ela ainda citou, “não por outra razão”, o indiciamento de Fakhoury no relatório final da CPI da Pandemia e no inquérito das fake news, em trâmite no STF.

“Mas não é só.”

A juíza mencionou a postagem em que o empresário, debochando de erro de português de Fabiano Contarato, que trocou ‘flagrância’ por ‘fragrância’, referiu-se assim ao senador: “o delegado, homossexual assumido, talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa daquele plenário… Quem seria o ‘perfumado’ que lhe cativou”.

“Nesta esfera judicial cível”, escreveu Biagio, explicando não ser a responsável pela responsabilidade penal no episódio, “conclui-se com tranquilidade que o post em questão do autor tem palmar natureza homofóbica”.

“Isso porque visou a gerar preconceito em desfavor do parlamentar, contrapondo as ideias delegado x gay assumido, a evidenciar intuito difamatório e discriminatório que só pode decorrer de alguém que ostenta mesmo certa ojeriza à identidade sexual do Senador.”

Todos os “elementos de prova” citados na decisão “denotam que estamos tratando de fatos, e não da opinião do julgador, ou um mero juízo de valor”, constatou a juíza.

“Em suma, essas circunstâncias evidenciam que o demandante mantém um padrão de conduta público que despreza a ciência em seu atual estado da arte, que resta reforçada pelas acusações em processos cíveis e criminais em desfavor do autor pela prática de financiamento de ‘Fake News’, bem como o indiciamento no relatório final da CPI da Covid e a prática de homofobia contra o Senador Contarato.

Nessa toada, o demandante fez e ainda aparentemente faz uso de críticas ácidas e contraditórias ao estado da arte científica do mundo civilizado para manifestar suas opiniões ‘políticas’ contra seus ‘opositores’, pautado pelas liberdades comunicacionais que lhe encarecem estar indene juridicamente até o presente momento.

Por um tratamento isonômico, portanto, não pode o requerente ser juridicamente qualificado como vítima de uma conduta, de um modo de ser que ele mesmo encarece, estimula.

Dito de outro modo, cuida-se de pessoa pública que faz uso de palavras críticas para qualificar seus ‘opositores’, num espectro peculiar da política brasileira recente. Logo, não pode vislumbrar como abusiva da liberdade de expressão congênere conduta do réu, que o predica como pessoa de baixa moral e/ou intelecto.

Em termos jurídicos, não se constata abuso de direito do réu, mas preservação das liberdades comunicacionais, ou seja, liberdades de imprensa, de expressão e de manifestação do pensamento, que ressoa exercício regular de direito (CC, art. 188).

(…) Por tudo o quanto exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação ajuizada por OTÁVIO OSCAR FAKHOURY em face de FELIPE MOURA BRASIL.”

3) Nota do jornalista

“Ao longo de 20 anos como colunista, muita gente ‘vestiu a carapuça’ dos comportamentos que descrevi de modo crítico (‘sentiu’, como se diz atualmente nas redes sociais) e ‘passou recibo’ do incômodo; mas nunca antes eu havia visto alguém levar o próprio ‘recibo’ à Justiça para cobrar indenização pela carapuça vestida.

Expressar regras gerais e condutas genéricas, inspiradas ou não em situações particulares de sua época, e dar a cada uma delas um valor positivo ou negativo, é uma prática intelectual milenar, que atravessa obras filosóficas, literárias e teóricas no mundo inteiro, servindo para a orientação cognitiva e moral do público leitor.

Descrições indeterminadas – desprovidas de nome, apelido, parentesco, cargo ou qualquer outro elemento identificador de uma individualidade exclusiva, especificada no tempo e no espaço – jamais deveriam, com a devida vênia, ser consideradas referência individual em matéria de ofensa a direitos de personalidade; caso contrário, chegaremos ao dia em que as supostas pessoas reais (ou herdeiros delas) que teriam inspirado personagens de obras literárias, como Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, serão ressarcidas pelo alegado conteúdo crítico a elas.

Apesar disso, alegra-me o fato de que a juíza tenha se dado ao trabalho de comparar o conteúdo da postagem com os atos reais do empresário que vestiu a carapuça dela judicialmente, porque ela acabou por constatar fatos que se encaixam na descrição e por defender a liberdade de valorar negativamente o comportamento descrito.

Agradeço ao escritório Fidalgo Advogados por mais uma vitória contra a patrulha.

O empresário foi reclamar da carapuça, mas a juíza, na prática, mostrou que ela realmente serviu. Dela, pelo menos, ele conseguiu uma atenção individual.”

19 de agosto, 2022 - por Redação FMB

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Comentário

  • Kenji disse:

    Parabéns FMB por sua postura sempre correta nesse lamaçal em que se misturam a política, imprensa paga e desinformação. Continue sendo essa bússola dentro da imprensa independente.